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Por que é importante conversar com as crianças sobre deficiência e o livro "O que aconteceu com você?"

10/01/2024

- Por James Catchpole

 

Neste relato pessoal, o autor do livro ilustrado "O que aconteceu com você?" destaca a importância de conversar com as crianças sobre deficiência. No Brasil, a obra recebeu o selo Altamente Recomendável da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Você encontra o livro aqui!

Por James Catchpole

 

 

Quando minha filha mais velha tinha dois anos e estava descobrindo as palavras, minha esposa conseguiu capturar o momento em que ela, pela primeira vez, me fez A Pergunta – a pergunta que todas as pessoas com deficiência visível conhecem tão bem. Ela já devia ter notado que tenho menos pernas do que o tradicional e, aparentemente, estava formulando para si mesma suas próprias teorias sobre o porquê.

 

 

 

A curiosidade inocente das crianças faz parte da vida de todas as pessoas com deficiência visível – vivemos isso diariamente. Para mim, isso acontece principalmente no parquinho. O que ocorre é: minhas filhas estão brincando com outras crianças e então uma delas me nota, fica surpresa e grita: “Aquele homem só tem uma perna!”. Isso faz todas as outras crianças pararem o que estão fazendo, e então a inquisição começa. Como um adulto com uma deficiência relativamente fácil de entender (as crianças tendem a ficar mais fascinadas do que alarmadas), não acho muito difícil lidar com essas perguntas. Mas isso me lembra de quando eu era uma criança deficiente – e o parquinho era meu habitat natural – e o interrogatório era implacável.

 

 

O consenso atual quando se trata de educar as crianças sobre deficiência é que elas devem se aproximar de uma pessoa com deficiência e “simplesmente perguntar”. A curiosidade é natural e deve ser incentivada, dizem as pessoas, e é muito melhor as crianças fazerem as perguntas do que a opção de apontar e ficar olhando.

 

Mas por que essas são as duas únicas opções? E por que a tarefa (sim, necessária) de educar as crianças deveria recair sobre a criança deficiente?

 

“O que aconteceu com você?” é uma pergunta profundamente pessoal, que explora todos os tipos de vulnerabilidades. E há uma regra sobre perguntas pessoais: não as fazemos a pessoas que não conhecemos. As crianças devem aprender isso, por mais natural que seja sua curiosidade. Mas a orientação de “simplesmente pergunte!” faz das pessoas com deficiência uma exceção a essa regra. E isso explica por que as crianças com deficiência podem esperar que lhes façam essa pergunta toda vez que vão ao parquinho, e por que os adultos com deficiência ainda esperam que outros adultos (sim, acredite) lhes façam essa pergunta no ponto de ônibus ou no supermercado ou na fila dos correios.

 

Como agente literário de livros infantis, percebi que havia algo que eu poderia fazer para tentar mudar esse consenso. Eu escrevi um livro. Primeiro, pensei muito sobre que tipo de livro poderia ter sido útil para mim como uma criança deficiente e depois escrevi o livro (na verdade, escrevi um livro e passei quatro anos reescrevendo-o antes de acertar – escrever livros é difícil). E o livro que escrevi é mais ou menos assim:

 

 

João está brincando da sua brincadeira de faz de conta favorita. Há tubarões e talvez até crocodilos. Mas crocodilos e tubarões são fáceis em comparação às crianças que João ainda não conheceu. Há algumas delas por aí e, eventualmente, uma delas percebe João e grita: “Você só tem uma perna!”. Você provavelmente já sabe o que acontece a seguir.

 

Só que João não faz o que eu fiz e não conta às outras crianças o que aconteceu com ele. Porque ele não tem vontade de contar essa história. E de qualquer forma, as pessoas não querem realmente ouvir a resposta verdadeira – que geralmente só as deixa desconfortáveis. Elas querem algo mais emocionante, e João deixa que as crianças apresentem algumas sugestões: Ela caiu? Foi um ladrão? Foi um leão? Foram – um respiro profundo aqui – mil leões? (Escrever essa parte foi fácil; apenas anotei algumas das perguntas que as crianças me fizeram e depois coloquei essas crianças no livro também.) Mas, por mais que as outras crianças estejam se divertindo, João é o herói desta história, então nós podemos ver como ele se sente com o interrogatório. E as outras crianças também acabam percebendo isso. Elas também veem, pela primeira vez, que João está brincando de algo muito legal e não demora muito para que as crianças que João ainda não conhece se tornem as crianças que ele conhece.

 

Espero que esta história encoraje as crianças com deficiência e as empodere para estabelecer seus próprios limites. Mas também há uma mensagem para leitores sem deficiência, tanto jovens como idosos. Para cada criança que faz perguntas para mim no parquinho, há um pai angustiado dizendo: “Desculpe!”. Muitas vezes eles vêm e perguntam: “Socorro! O que devo fazer?". A resposta é simples: claro, eduque seu filho sobre deficiência (“O corpo de algumas pessoas funciona de maneira diferente” e assim por diante), mas, o mais importante, veja se você consegue fazer com que seu filho tenha empatia, perguntando-lhe: “Como você se sentiria se tivesse que responder essa pergunta várias vezes ao dia?”. Veja se consegue fazê-los se colocar no lugar da outra pessoa por um momento.

 

É isso que os livros fazem, claro: fazer com que leitores acessem outros mundos e se coloquem no lugar de outras pessoas. E esse é o poder dos livros sobre diversidade. Nesse caso, histórias escritas por escritores com deficiência para leitores com deficiência. Porque são eles que terão algo verdadeiro a dizer às crianças – com e sem deficiência.

 

 

 

James Catchpole (autor) estava destinado a ser um cantor itinerante ou um jogador de futebol amputado. Ele conseguiu sair do banco de reservas algumas vezes para o Time de Futebol de Amputados da Inglaterra, e também se juntou à Provença com um violão (outra profissão em que ter só uma perna o ajudava), mas atingiu os limites de seu talento em ambos os campos por volta dos vinte e poucos anos, e assim se juntou ao negócio familiar de livros infantis.
Ele agora dirige a Agência Catchpole com sua esposa Lucy, e representa autores e ilustradores de livros infantis, não ficção e romances, incluindo Polly Dunbar, SF Said, Michelle Robinson e David Lucas. Lucy e James vivem em Oxford com suas duas filhas, a mais velha está firmemente convencida de que também vai se juntar ao negócio – mas, aos cinco anos, ela ainda tem muito tempo para voltar atrás.

 

 

 

 

 

 

Este texto foi originalmente publicado no site da iniciativa We Need Diverse Books, uma organização sem fins lucrativos que defende mudanças essenciais no meio editorial para produzir e promover literatura que reflita e honre a vida de todos os jovens. Você pode acessar o texto neste link: diversebooks.org/why-its-important-to-talk-to-kids-about-disability-and-what-happened-to-you/.