“[...] o que significa o fato de Hans expressar à noite o medo de que o cavalo entre no quarto? Uma ideia boba e angustiosa de uma criancinha, diriam. Mas a neurose não diz nada de bobo, o sonho tampouco.”
Tradução do alemão de Renato Zwick
Prefácio de Noemi Moritz Kon e Thiago P. Majolo
Ensaio biobibliográfico de Paulo Endo e Edson Sousa
Em 1906, Max Graf, membro do círculo de estudos de Sigmund Freud, levou ao criador da psicanálise observações e preocupações acerca do comportamento do filho, Herbert Graf, de quase três anos. O menino desenvolvera um interesse muito focado na figura do pênis – o seu e o dos outros –, que ele chamava de “fazedor de xixi”. Em seguida, apresentaria uma fobia de cavalos e pânico de sair à rua. O intercâmbio entre o pai do garoto e Freud durou anos e resultou neste Análise da fobia de um menino de cinco anos [O pequeno Hans], publicado originalmente em 1909. Trata-se de um dos mais célebres relatos de casos clínicos freudianos e texto fundamental para todos os estudiosos posteriores da psicologia infantil, de Sophie Morgenstern a Winnicott, passando por Anna Freud, Melanie Klein, Jacques Lacan e Françoise Dolto.
Este trabalho confirma as ideias de Freud sobre a sexualidade infantil apresentadas em Três ensaios de teoria sexual (1905). Hoje, passados mais de cem anos de sua primeira publicação, segue revolucionário e impactante ao trazer a primeiríssima psicanálise de uma criança, em toda sua potência e possibilidade.
Polêmico e revolucionário
Depois de ter iniciado seus estudos com pacientes histéricos e neuróticos, e então descoberto a existência do inconsciente com A interpretação dos sonhos (1899), Freud se voltou para a sexualidade infantil e para o desenvolvimento psicossexual na primeira infância. Ele intuía haver uma sexualidade nos primeiros anos de vida, que teria relação com aquela da vida adulta. Em 1906, ano seguinte à publicação do seminal Três ensaios de teoria sexual, ele tomou conhecimento da situação do pequeno Herbert Graf, então com três anos, que seria imortalizado como “pequeno Hans”. Seu pai relatou a Freud o crescente interesse do menino pelo “fazedor de xixi” e, em seguida, o surgimento de algumas fobias, como de cavalos e de sair à rua. O pequeno Hans foi analisado pelo pai, que, por sua vez, aconselhava-se com Freud, numa espécie de modelo precursor da supervisão no tratamento psicanalítico.
Freud demonstra aqui não apenas a validade de suas teorias sobre o humano como ser sexual, que está no mundo se relacionando com o próprio corpo e com o dos outros, e os reflexos das experiências psicossexuais da primeira infância na formação das pessoas. Mais que isso, desvenda para nós, leitores adultos, o processo natural da formação da sexualidade infantil, a eleição dos objetos sexuais e a construção das identificações sexuais. O pensador possibilita que enxerguemos o aprendizado a partir da curiosidade pelo próprio corpo, tão característica das crianças – processo de aprendizado que é descrito in loco pela primeira vez na narrativa das aventuras e desventuras do jovem analisando.
Sob o olhar de Freud, o pequeno Hans – como, de resto, todas as crianças – deixava de ser um espectador passivo de processos educacionais e civilizatórios para se tornar um explorador sexual ativo, curioso e participativo de seu próprio crescimento, aprendizagem e apreensão de mundo. As sensações desconcertantes de prazer e desprazer sentidas na troca sensorial e fantasiosa com outros, adultos ou não, seriam a base da formação de todo e qualquer indivíduo, que, ao estilo de Édipo, carrega tendências potencialmente parricidas e incestuosas.
Neste texto tão revolucionário quanto cativante, o psicanalista sugere ainda que a educação sexual é capaz de proporcionar uma tomada de consciência saudável, o que, por sua vez, pode mitigar fantasias aterrorizantes acerca da sexualidade e possíveis processos patológicos – ideia que permanece válida até hoje.
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