Vida & Obra


Honoré de Balzac

A comédia humana é o título geral que dá unidade à obra máxima de Honoré de Balzac e é composta de 89 romances, novelas e histórias curtas. Este enorme painel do século XIX foi ordenado pelo autor em três partes: “Estudos de costumes”, “Estudos analíticos” e “Estudos filosóficos”. A maior das partes, “Estudos de costumes”, com 66 títulos, subdivide-se em seis séries temáticas: Cenas da vida privada, Cenas da vida provinciana, Cenas da vida parisiense, Cenas da vida política, Cenas da vida militar e Cenas da vida rural (a idéia de Balzac era que A comédia humana tivesse 137 títulos, segundo seu Catálogo do que conterá A comédia humana, de 1845. Deixou de fora, de sua autoria, apenas Les cent contes drolatiques, vários ensaios e artigos, além de muitas peças ficcionais sob pseudônimo e esboços que não foram concluídos).

Trata-se de um monumental conjunto de histórias, considerado de forma unânime uma das mais importantes realizações da literatura mundial em todos os tempos. Cerca de 2,5 mil personagens se movimentam pelos vá­rios livros de A comédia humana, ora como pro­tagonistas, ora como coadjuvantes. Genial observador do seu t­empo, Balzac soube como ninguém captar o “es­pírito” do século XIX. A França, os franceses e a Europa no período entre a Revolução Francesa e a Restauração têm nele um pintor magnífico e preciso. Friedrich Engels, numa carta a Karl Marx, disse: “Aprendi mais em Balzac sobre a so­ciedade francesa da primeira metade do século, inclusive nos seus pormenores econômicos (por exemplo, a redistribuição da propriedade real e pessoal depois da Revolução), do que em todos os livros dos historia­do­res, economistas e estatísticos da época, todos juntos”.

Clássicos absolutos da literatura mundial como Ilusões perdidas, Eugénie Grandet, O lírio do vale, O pai Goriot, Ferragus, Beatriz, A vendeta, Um episódio do terror, A pele de onagro, A mulher de trinta anos, A fisiologia do casamento,entre tantos outros, combinam-se com dezenas de his­tó­rias nem tão célebres, mas nem por isso menos delicio­sas ou reveladoras. Tido como o inventor do romance mo­derno, Balzac deu tal dimensão aos seus personagens que já no século XIX mereceu do crítico literário e historiador francês Hippolyte Taine a seguinte observação: “Como William Shakespeare, Balzac é o maior repositório de documentos que possuímos sobre a natureza humana”.

Balzac nasceu em Tours em 20 de maio de 1799. Com dezenove anos convenceu sua família – de modestos recur­sos – a sustentá-lo em Paris na tentativa de tornar-se um grande escritor. Obcecado pela idéia da glória literária e da fortuna, foi para a capital francesa em busca de periódicos e editoras que se dispusessem a publicar suas his­tórias – num momento em que Paris se preparava para a época de ouro do romance-folhetim, fervilhando em meio à proliferação de jornais e revistas. Cons­cien­te da necessi­dade do aprendizado e da sua própria falta de experiência e técnica começou publicando sob pseudônimos e­xóticos, como Lord R’hoone e Horace de Saint-Aubin. Escrevia histórias de aventuras, romances policia­lescos, açucarados, folhetins baratos, qualquer coisa que lhe desse o sustento. Obstinado com seu futuro, evitava usar o seu verdadeiro nome para dar autoria a obras que considerava (e de fato eram) menores. Em 1829, lançou o primeiro livro a ostentar seu nome na capa – A Bretanha em 1800 –, um ro­mance histórico em que tentava seguir o estilo de Sir Walter Scott (1771-1832), o grande romancista escocês autor de romances históricos clássicos, como Ivanhoé. Nesse momento, Balzac sente que começou um grande projeto literário e lança-se fervorosamente na sua execução. Paralelamente à enorme produção que detona a partir de 1830, seus delírios de grandeza levam-no a bolar negócios que vão desde gráficas e revistas até minas de prata. Mas fracassa como homem de negócios. Falido e endividado, reage criando obras-primas para pagar seus credores numa destrutiva jornada de trabalho de até dezoito horas diárias. “Durmo às seis da tarde e acordo à meia-noite, às vezes passo 48 horas sem dormir...”, queixava-se em cartas aos amigos. Nesse ritmo alucinante, ele produziu alguns de seus livros mais conhecidos e despon­tou para a fama e para a glória. Em 1833, teve a ante­visão do conjunto de sua obra e passou a formar uma grande “sociedade”, com famílias, cortesãs, nobres, burgueses, notários, personagens de bom ou mau caráter, vigaristas, camponeses, homens honrados, avarentos, enfim, uma enorme galeria de tipos que se cru­zariam em várias histórias diferentes sob o título geral de A comédia humana. Convicto da importância que representava a idéia de unidade para todos os seus romances, escreveu à sua irmã, comemorando: “Saudai-me, pois estou seriamente na iminên­cia de tornar-me um gênio”. Vale ressaltar que nesta imensa galeria de tipos, Balzac criou um espetacular conjunto de personagens femininos que – como dizem unanimemente seus biógrafos e críticos – tem uma di­mensão muito maior do que o conjunto dos seus personagens masculinos.

Aos 47 anos, massacrado pelo trabalho, pela péssima alimentação e pelo tormento das dívidas que não o abando­naram pela vida inteira, ainda que com projetos e esboços para pelo menos mais vinte romances, já não escrevia mais. Consagrado e reconhecido como um grande escritor, havia construído em frenéticos dezoito anos este monumento com quase uma centena de livros. Morreu em 18 de agosto de 1850, aos 51 anos, pouco depois de ter casado com a condessa polonesa Ève Hanska, o grande amor da sua vida. O gran­de intelectual Paulo Rónai (1907-1992), escri­tor, tradutor, crítico e coordenador da publicação de A comédia humana no Brasil, nas décadas de 1940 e 1950, escreveu em seu ensaio biográfico “A vida de Balzac”: “Acabamos por ter a impressão de haver nele um velho conhecido, quase que um membro da família – e ao mesmo tempo compreendemos cada vez menos seu talento, esta monstruosidade que o diferencia dos outros homens”.

A verdade é que a obra de Balzac sobreviveu ao autor, às suas idiossincrasias, vaidades, aos seus desastres financeiros e amorosos. Sua mente prodigiosa concebeu um mundo muito maior do que os seus contemporâneos alcançavam. E sua obra projetou-se no tempo como um dos momentos mais preciosos da li­teratura universal. Se Balzac nascesse de novo dois séculos depois, ele veria que o úl­timo parágrafo do seu prefácio para A comédia humana, longe de ser um exercício de vaidade, era uma profecia:

“A imensidão de um projeto que abarca a um só tempo a história e a crítica social, a análise de seus males e a discussão de seus princípios, autoriza-me, creio, a dar à minha obra o título que ela tem hoje: A comédia humana. É ambicioso? É justo? É o que, uma vez terminada a obra, o público decidirá.” (Texto de Ivan Pinheiro Machado editado na apresentação dos livros de A comédia humana, publicados pela coleção L&PM POCKET)

Biobliografia cronológica de Honoré de Balzac:

1799 – 20 de maio: nasce em Tours, no interior da França, Honoré Balzac, segundo filho de Bernard-François Balzac (antes, Balssa) e Anne-Charlotte-Laure Sallambier (outros filhos seguirão: Laure, 1800, Laurence, 1802, e Henri-François, 1807).

1807 – Aluno interno no Colégio dos Oratorianos, em Vendôme, onde ficará seis anos.

1813-1816 – Estudos primários e secundários em Paris e Tours.

1816 – Começa a trabalhar como auxiliar de tabelião e matricula-se na Faculdade de Direito.

1819 – É reprovado num dos exames de bacharel. Decide tornar-se escritor. Nessa época, é muito influenciado pelo escritor escocês Walter Scott (1771-1832).

1822 – Publicação dos cinco primeiros romances de Balzac, sob os pseudônimos de lorde R’Hoone e Horace de Saint-Aubin. Início da relação com madame de Berny (1777-1836).

1823 – Colaboração jornalística com vários jornais, o que dura até 1833.

1825 – Lança-se como editor. Torna-se amante da duquesa d’Abrantès (1784-1838).

1826 – Por meio de empréstimos, compra uma gráfica.

1827 – Conhece o escritor Victor Hugo. Entra como sócio em uma fundição de tipos gráficos.

1828 – Vende sua parte na gráfica e na fundição.

1829 – Publicação do primeiro texto assinado com seu nome, Le Dernier Chouan ou La Bretagne en 1800 (pos­teriormente Os Chouans), de “Honoré Balzac”, e de A fisiologia do casamento, de autoria de “um jovem solteiro”.

1830 La Modepublica El Verdugo, de “H. de Balzac”. Demais obras em periódicos: Estudo de mulher, O elixir da longa vida, Sarrasine etc. Em livro: Cenas da vida privada, com contos.

1831 A pele de onagro e Contos filosóficos o consagramcomo romancista da moda. Início do relacionamento com a marquesa de Castries (1796-1861). Os proscritos, A obra-prima desconhecida, Mestre Cornélius etc.

1832 – Recebe uma carta assinada por “A Estrangeira”, na verdade Ève Hanska. Em periódicos: Madame Firmiani, A mulher abandonada. Em livro: Contos jocosos.

1833 – Ligação secreta com Maria du Fresnay (1809-1892). Encontra madame Hanska pela primeira vez. Em periódicos: Ferragus, início de A duquesa de Langeais, Teoria do caminhar, O médico de campanha. Em livro: Louis Lambert. Publicação dos primeiros volumes (Eugénie Grandet e O ilustre Gaudissart) de Études des moeurs au XIXème siècle, que é dividido em “Cenas da vida privada”, “Cenas da vida de pro­víncia”, “Cenas da vida parisiense”: a pedra fundamental da futura A comédia humana.

1834 – Consciente da unidade da sua obra, pensa em divi­­di-la em três partes: Estudos de costumes, Estudos filosóficos e Estu­dos analíticos. Passa a utilizar sistematicamente os mesmos personagens em vários romances. Em livro: História dos treze (menos o final de A menina dos olhos de ouro), A busca do absoluto, A mulher de trinta anos; primeiro volume de Estudos filosóficos.

1835 – Encontra madame Hanska em Viena. Folhetim: O pai Goriot, O lírio do vale (início). Em livro: O pai Goriot, quarto volume de Cenas da vida parisiense (com o final de A menina dos olhos de ouro). Compra o jornal La Chronique de Paris.

1836 – Inicia um relacionamento amoroso com “Louise”, cuja identidade é desconhecida. Publica, em seu próprio jornal, A missa do ateu, A interdição etc. La Chronique de Paris entra em falência. Pela primeira vez na França um romance (A solteirona, de Balzac) é publicado em folhetins diários, no La presse. Em livro: O lírio do vale.

1837 – Últimos volumes de Études des moeurs au XIXème siècle (contendo o início de As ilusões perdidas), Estudos filo­sóficos, Facino Cane, César Birotteau etc.

1838 – Morre a duquesa de Abrantès. Folhetim: O gabinete das antigüidades. Em livro: A casa de Nucingen, início de Esplendor e miséria das cortesãs.

1839 – Retira candidatura à Academia em favor de Victor Hugo, que não é eleito. Em folhetim: Uma filha de Eva, O cura da aldeia, Beatriz etc. Em livro: Tratado dos excitantes modernos.

1840 – Completa-se a publicação de Estudos filosóficos, com Os proscritos, Massimilla Doni e Seráfita. Encontra o nome A comédia humana para sua obra.

1841 – Acordo com os editores Furne, Hetzel, Dubochet e Paulin para publicação de suas obras completas sob o título A comédia humana (17 tomos, publicados de 1842 a 1848, mais um póstumo, em 1855). Em folhetim: Um caso tenebroso, Ursule Mirouët, Memórias de duas jovens esposas, A falsa aman­te.

1842 – Folhetim: Albert Savarus, Uma estréia na vida etc. Saem os primeiros volumes de A comédia humana, com textos inteiramente revistos.

1843 – Encontra madame Hanska em São Petersburgo. Em folhetim: Honorine e a parte final de Ilusões perdidas.

1844 – Folhetim: Modeste Mignon, Os camponeses etc. Faz um Catálogo das obras que conterá A comédia humana (ao ser publicado, em 1845, prevê 137 obras, das quais cinqüenta por fazer).

1845 – Viaja com madame Hanska pela Europa. Em folhetim: a segunda parte de Pequenas misérias da vida conjugal, O homem de negócios. Em livro: Outro estudo de mulher etc.

1846 – Em folhetim: terceira parte de Esplendor e miséria das cortesãs, A prima Bette. O editor Furne publica os últimos volumes de A comédia humana.

1847 – Separa-se da sua governanta, Louise de Brugnol, por exigência de madame Hanska. Em testamento, lega a madame Hanska todos seus bens e o manuscrito de A comédia hu­mana (os exemplares da edição Furne corrigidos a mão por ele próprio). Simultaneamente em romance-folhetim: O primo Pons, O deputado de Arcis.

1848 – Em Paris, assiste à revolução e à proclamação da Segunda República. Napoleão III é presidente. Primeiros sintomas de doença cardíaca. É publicado Os parentes pobres, o 17o volume de A comédia humana.

1850 – 14 de março: casa-se com madame Hanska. Os problemas de saúde se agravam. O casal volta a Paris. Diagnos­ti­cada uma peritonite. Morre a 18 de agosto. O caixão é carrega­do da igreja Saint-Philippe-du-Roule ao cemitério Père-Lachaise pelos escritores Victor Hugo e Alexandre Dumas, pelo crítico Sainte-Beuve e pelo ministro do Interior. Hugo pronuncia o elogio fúnebre.

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Opinião do Leitor

Marcia Zanchi
Fortaleza/Ceará

Parabéns à L&PM pela edição pocket da maravilhosa obra de Balzac. Eu gostaria de deixar aqui o incentivo e o estímulo para que a Comédia Humana seja completamente traduzida e vendida como como coleção, além de aquisição para acervo particular, certamente ela será uma excelente opção para presentear, não vejo a hora de ter todas as obras deste que considero um dos maiores escritores da humanidade.

10/12/2014

Agatha

Bianca
São Paulo

Balzac é um escritor encantador. Seu estilo de escrita consegue ser refinado e elegante sem deixar de ser compreensível, verdadeiro, envolvente. As aventuras de seus personagens poderiam acontecer com qualquer pessoa, em qualquer lugar, em qualquer época! São histórias extremamente atuais! Fantástico, simplesmente. Queria parabenizar e agradecer à L&PM por publicar livros tão bons a preços tão acessíveis. Vocês são uma das únicas coisas que salvam a cultura do Brasil.

25/09/2013