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Marguerite Abouet, autora da HQ Aya, fala das dores e alegrias africanas

13/12/2011

- Por L&PM Editores

Marguerite Abouet, autora da HQ Aya de Yopougon, publicada pela L&PM Editores, concedeu uma entrevista à revista francesa Books. Marguerite nasceu e passou sua infância na Costa do Marfim, antes de mudar-se para a França.  Com sua personagem Aya, queria mostrar ao mundo como se vivia na África - sem falar nos grandes conflitos políticos ou sociais: apenas as pequenas dores e alegrias que, como em todos os lugares, são sentidas. 

Produzido em parceria com seu marido, o ilustrador Clément Oubrerie, Aya de Yopougon, primeiro álbum de Marguerite, ganhou o prêmio de melhor história em quadrinhos do Festival Intenacional de Angoulême, em 2006, e já foi traduzido para doze idiomas. Antes de publicar Aya, a autora teve diversos tipos de trabalho e tentava, sem sucesso, publicar seus romances.
O segundo volume de Aya de Yopougon na L&PM Editores está previsto para Junho de 2012.
A entrevista com Marguerite Abouet está imperdível.


 

As alegrias e dores dos africanos

Na HQ Aya, dançar se diz “décaler”, e “bodjo”, “petu” ou “tassaba” que são três formas de designar a bunda... Aya se passa em Yopougon, o bairro de Abidjan onde Marguerite Abouet cresceu. Uma África tranquila e corriqueira, distante dos grandes problemas do continente.

Books - Aya de Yopougon descreve a vida cotidiana, bastante alegre, de um bairro de Abidjan, muito distante da imagem que com frequência se tem de uma África marcada por catástrofes e desolação. Isso é deliberado?

Marguerite Abouet - No início, eu queria falar sobre meu país, a Costa do Marfim, de onde saí aos 12 anos. Queria narrar as lembranças felizes que tenho de lá. Senti-me um pouco arrancada desse país quando meus pais me enviaram para morar com um tio-avô na França. Para eles, era uma chance que me era oferecida para vencer, pelo menos nos estudos. Maseu realmente tive uma bela infância em Yopougon. Na época, Yopougon era uma espécie de bairro das classes médias. Fora construído durante a presidência de Félix Houphouët-Boigny, quando do “milagre econômico marfinense”, para receber os jovens que entravam na vida ativa. Hoje, Yopougon é um bairro mais pobre e muito mais povoado. Mesmo assim, as pessoas continuam solidárias, acolhedoras, a atmosfera é a mesma. Tenho primos, sobrinhos, amigos que são felizes lá, estudam, tentam se virar...

Na origem do livro havia também a seguinte constatação: fala-se muito sobre como os africanos morrem, mas nunca sobre como eles vivem. E quando se faz isso, seja na televisão, seja em livros infantis ou filmes, é sempre sob um aspecto pitoresco, que não se assemelha ao cotidiano de um africano dos dias de hoje. Eu queria falar dessa realidade corriqueira, dizer que os africanos têm esperança, dores, alegrias e problemas – com seus filhos, em seus casamentos – que se assemelham às de todo mundo.

Books - Mas a história se passa no fim dos anos 1970. A situação da Costa do Marfim se deteriorou depois disso, e o país não foi poupado dos conflitos étnicos...

Marguerite – Se eu tivesse escrito uma HQ absolutamente atual, talvez tivesse falado sobre o que aconteceu em torno da questão da “marfinidade”[1]. Em Aya quis dar aos personagens nomes de todas as religiões e de todas as etnias: a mãe e o irmão de Aya têm nomes muçulmanos (Fanta e Fofana). Aya é um nome baoulé [nome de um povo da região central da Costa do Marfim], e também Akissi, o da irmãzinha de Aya. Não estou me fazendo de avestruz, sei muito bem o que está acontecendo na Costa do Marfim, meus pais vivem lá. Mas, para mim, tudo isso é pura e simplesmente político. Quando eu morava em Yopougon, nossos vizinhos se chamavam Fofana, Mamadou, Adjoua, Ignace, e tudo corria muito, muito bem.

Books - Como você concilia essa sua visão, que é positiva, com temas tão delicados como a pressão familiar ou a corrupção?

Marguerite – Não falo dos grandes males da África. Somente das pequenas dores do dia a dia. Por exemplo: em todos os lares há crianças como os personagens de Hervé e Félicité, cujos pais não têm como criá-los e os entregam a primos, tios, tias. Às vezes essas crianças são bem recebidas, são colocadas na escola, são bem cuidadas, mas às vezes dá bastante errado. Temas como esse me comovem.

Books - Como essas histórias são recebidas na Costa do Marfim?

Marguerite – Há três anos, fiz uma sessão de autógrafos em Abidjan. Todas as crianças tinham ido com folhas de papel, nenhuma tinha o livro, porque os livros custam caro. Falei sobre isso com a Gallimard, que fez uma edição em brochura para a África francófona – ela custa 4.000 francos CFA, em vez de 11.000. Eu não podia escrever uma história tão positiva sobre os africanos sem que eles pudessem comprá-la. Depois me perguntei o que mais eu poderia fazer, e criei a associação “Livros para todos” [www.deslivrespourtous.org], para tornar acessíveis livros de todos os tipos às crianças africanas. Quanto à recepção de Aya, os marfinenses adoram essa HQ, mas acho que não se importam muito com as histórias que ali encontram. Estão mais orgulhosos que uma marfinense apareça na televisão e receba prêmios...



[1] A noção de “marfinidade” foi reativada por Henri Konan Bédié, que sucedeu a Houphouët-Boigny em 1993. Ela tende a estigmatizar os estrangeiros e os marfinenses que não seriam “da cepa”, notadamente os muçulmanos do norte do país.